quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Depois daquele Natal...

          Martha tinha 36 anos, casou-se com 29, teve seu primeiro e único filho aos 30 anos, seu nome era David. Ela sempre quis que David não se "contaminasse" com o mundo, deixou o menino isolado. Ele não podia ler revistas, jornais e nem podia ver televisão. Ela criou a criança perfeita, pura e inocente. Ele só lia livros e tinha brinquedos educativos, não ia à escola, aprendia tudo em casa, com seus pais. Estava se aproximando do Natal e David pediu um presente à sua mãe: uma roupa de super-herói. Martha ficou confusa por ele fazer justamente esse pedido, mas não se importou, já que ele era apenas uma criança de seis anos de idade e super-heróis faziam parte do imaginário infantil. Decidiu então comprar a roupa para o menino, o primeiro presente de natal que ele havia pedido.

          Véspera de Natal, toda a família estava reunida para a tradicional ceia,  as atenções se voltavam para o pequeno David, que com apenas aquela idade já falava duas línguas fluentemente, embora não soubesse a razão de as ter aprendido. Seus primos, todos mais velhos, não gostavam de brincar com ele, o chamavam de "burro", pois ele era inocente demais. Após a meia-noite apareceu o Papai Noel, com sua roupa vermelha e seus cabelos brancos e, como em todo os outros anos, David ficou encantado pelo velhinho, que lhe deu a sua tão esperada roupa de super-herói, "com capa e tudo", como ele mesmo disse. Naquela noite David dormiu feliz.

         Pela manhã, Martha foi ao quarto do pequeno, ele ainda dormia, vestido com sua fantasia. Ela o acordou e o levou para tomar seu café da manhã, depois o deixou lendo livros em seu quarto e foi à farmácia, comprar alguns remédios que precisava tomar com urgência, torceu para que houvesse alguma farmácia aberta no dia de Natal.

          Martha voltou rapidamente da farmácia, com seu remédio nas mãos, viu David deitado no jardim - dormindo, pensou - com a capa de super-herói cobrindo seu rosto. Ela ficou admirada com a ternura da imagem da criança adormecida.

          ― Filhinho, eu sei que você dormiu tarde ontem, mas vem dormir na sua cama?

          Ele não respondeu, estava em algo como um sono profundo. A mãe o pegou no colo e gritou. Havia uma poça de sangue no chão, sob a capa. Martha olhou para o alto e viu a janela do quarto do menino aberta, o vento balançando as cortinas. David realmente acreditou que poderia voar.

          Conto escrito por Awa Maia, a reprodução sem a autorização da autora ou sem o devido crédito será considerada crime de plágio.

2 comentários:

Kelzinha Barros disse...

Muito bom...Não precisamos isolar quem queremos bem do mundo e sim ensiná-los a manter a integridade que ensinamos!

Gui disse...

Muito bom!!